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Moradores de Crateús entram com ação popular contra prefeitura para desativação de lixão

Moradores de Cratéus entraram com uma ação popular contra a prefeitura da cidade, nessa segunda-feira, 25, solicitando a desativação de um “lixão a céu aberto” que, desde 2009, estaria trazendo problemas ambientais e afetando a saúde de comunidades próximas. A gestão municipal garante que questão será resolvida com a construção, ainda em outubro próximo, de uma central para receber os resíduos.

Populares deram entrada no instrumento constitucional por meio do Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar (EFTA). De acordo com informações trazidas no documento, a prefeitura estaria destinando resíduos sólidos urbanos de forma “totalmente inadequada, despejando, por anos a fio, todo o ‘lixo’ coletado no referido Município e Distritos, em local impróprio”.

Moradores também apontam o descarte de lixo hospitalar e resíduos da construção civil no local, frisando que lixão funciona sem licenciamento ambiental e coleta seletiva. Além disso, mais de 70 famílias estariam trabalhando na área “em situação degradante”, sem fazer uso de equipamentos de proteção individual.

Conforme Naiane Araújo, militante que acompanha a comunidade há pelo menos quatro anos, o chorume causado pelos resíduos contamina o solo e os rios próximos, principalmente em época de quadra chuvosa. Ela também destaca a proliferação de queimadas na área, que polui o ar e atinge os moradores.

“O lixão está situado em uma área de alto relevo (…) Esse alto relevo faz com que, quando há um incêndio, toda a fumaça vá pras comunidades próximas (…) Quando é no período da noite, essa fumaça fica mais densa, vai se espalhando pelo vento e intensificando a questão dos problemas de ar”, destaca Araújo, completando que vários moradores apresentam pulmões comprometidos ou quadros de pneumonia.

Na casa de Raimunda Núbia, de 60 anos, essa é uma realidade presente. De acordo com a professora, que mora na comunidade de Ipojuca — próxima ao lixão, a fumaça trazida pelo vento tem dificultado a respiração dos moradores da região e causado outros transtornos de saúde, como problemas de pele.

“É insuportável a fumaça. Você não consegue respirar à noite, é muita fumaça, no cabelo, na roupa (…) Minha mãe é uma senhora de 97 anos, e, um ano atrás, a gente acordou com ela passando mal, sangrando pelo nariz, a gente já levou ela de imediato pro hospital. O que foi constatado é que o pulmão dela tava pretinho, cheio de fumaça. O médico perguntou se ela fumava, minha mãe nunca fumou”, conta.

Núbia também relata que o marido dela é diabético e sofre muito com a fumaça. Ela e outros moradores estão lutando, há mais de dez anos, pela desativação do lixão e já chegaram a realizar diversas reuniões com a prefeitura, em várias gestões, mas nada nunca foi feito.

“A gente tem tentado, de todas as formas, e não temos êxito. A gente tem sofrido bastante”, desabafa a professora, que foi uma das moradoras a assinar a ação popular. Com o documento, ela diz ter “fé” de que as coisas vão melhorar e que o desejo da comunidade, de voltar a ter qualidade de vida, será realizado.
Escritório acionou entes públicos

Além das reuniões, as comunidades já realizaram paralisação e cobraram a prefeitura para que fosse realizada uma coleta seletiva. No entanto, de acordo com Núbia, a gestão municipal chega a levar equipamentos ao local, como tratores, mas a ação dura pouco tempo.

Adilson José Paulo Barbosa, advogado do Frei Tito, escritório que acompanha o caso, destaca que a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) já multou a prefeitura e cobrou do município a criação de um aterro sanitário na região.

Na ação, foram elencados “pedidos urgentes como a cessão de toda e qualquer incineração ou queima de resíduos sólidos na localidade, o embargo do lixão atual, a permanente vigilância do lixão para impedir o acesso de pessoas não autorizadas e a instalação de cerca de isolamento”.

Documento também solicita que seja executado “um plano social para as famílias dos catadores que trabalham no lixão”, a “transformação do lixão em um aterro controlado até a efetivação para o aterro sanitário” e a “criação de uma comissão de trabalho composta pelas comunidades atingidas, movimentos sociais e a comunidade científica especializada para acompanhar a execução das medidas”.

“A gente sabe que pra construir o aterro leva um tempo e a gente está pedindo pra que pelo menos o lixão seja cercado. Que seja redistribuído equipamento pra comunidade”, destaca Adilson José.

Além da ação, ele destaca que o escritório fez um pedido para que a Semace “fizesse uma nova fiscalização” na área, entrando ainda com uma representação criminal junto ao Ministério Público do Ceará (MPCE) e ao Ministério Público Federal (MPF), denunciando o caso.

Procurado pelo O POVO, o MPCE informou que está “em vias de celebrar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a prefeitura da cidade a fim de que o problema seja sanado”. Além disso, órgão ministerial afirmou que acompanha o caso no âmbito de procedimento administrativo e destaca que já promoveu audiência pública para ouvir as famílias atingidas pelos problemas trazidos em razão do lixão.

Reportagem também questionou, por meio de e-mails enviados na terça-feira, 26, o MPF e a Semace sobre a solicitação feita pelo escritório. A matéria será atualizada quando as demandas forem respondidas.
Construção de uma central deve começar em outubro, diz prefeitura

Comunidades cobram a construção de um aterro sanitário para receber os resíduos, com a desativação do lixão. Segundo o titular da Secretaria do Meio Ambiente de Crateús (Semam), Agileu Nunes, o lixão é um problema passado por várias gestões, mas deve ser solucionado até 2024.

“Nosso sonho em Cratéus é acabar com esse lixão”, destaca o secretário. Ainda conforme o gestor, a cidade faz parte de um consórcio, junto a mais quatro municípios da região, que está sendo responsável pela criação de um equipamento que vai receber e tratar adequadamente os resíduos.

O POVO procurou o Consórcio de Municípios para saber como deve funcionar o aparato. Segundo o órgão, será construída uma Central Municipal de Resíduos Sólido (CMR) em Crateús, de cerca de 15 mil metros, em um terreno disponibilizado por entes públicos. Local contará também com um centro de reciclagem.

Ainda conforme a entidade, a diferença entre o aterro sanitário e a central é que, nessa segunda, os materiais ficam “a céu aberto”. Conforme relatório encaminhado à reportagem, o aviso de licitação para dar inicio à criação do equipamento foi publicado no Diário Oficial do Estado (DOE) em junho último. Resultado deve sair em breve, e a construção terá inicio aproximadamente em outubro próximo, segundo o consórcio.

“No momento em que esse centro estiver pronto, o lixão provavelmente vai acabar”, pontua o secretário Agileu. Em relação à ação pública movida pelos moradores, o gestor informa que a Secretaria do Meio Ambiente não foi notificada sobre o assunto. Contudo, ele nega e rebate apontamentos das comunidades.

Nunes destaca, por exemplo, que não são “70 famílias” trabalhando atualmente no lixão, mas 19, e garante que foram distribuídos equipamentos para que elas atuassem com proteção. Além disso, ele informa que há planos de tirar os trabalhadores do local e permitir que eles trabalhem com carteira assinada.

Em relação aos incêndios registrados na área, o representante da pasta do meio ambiente informa que há uma ação sendo realizada, em conjunto com a Secretaria de Infraestrutura do município, para monitorar incidências desse tipo. Iniciativa, segundo ele, conta com a presença de um carro-pipa e um trator na área do lixão.

Agileu confirma que o município já chegou a ser multado pela Semace em razão do lixão e que órgão sugeriu “pontos de ajustes” que já estão sendo realizados pela gestão atual.

(O Povo)