Ceará tem pelo menos três prefeitos eleitos em 2024 investigados por envolvimento com facções criminosas
A prisão de mais um prefeito no Ceará por suposto envolvimento com facções expõe como as organizações criminosas têm agido para ameaçar ou retaliar opositores políticos. Luan Dantas (PP), de Potiretama, foi preso preventivamente na última quinta-feira (3), sob suspeita de ter encomendado com um membro do Primeiro Comando da Capital (PCC) um incêndio criminoso contra a propriedade de um desafeto.
Dantas suspeitava que a vítima seria autora de uma denúncia de irregularidade na aquisição de combustíveis pela Prefeitura de Potiretama ao Ministério Público, o que teria causado a sua reação, segundo as investigações.
O cunhado do prefeito, Thiago José Sousa Araújo, que teria ajudado no crime, também foi alvo de mandado de prisão. Ambos, aliados ao já falecido Felipe Gomes da Silva, o “Pajé”, membro do PCC, teriam coordenado e executado o incêndio na fazenda do seu opositor, localizada em Alto Santo, a 30 km de Potiretama.
A Polícia Civil também detectou o uso de um telefone celular específico para camuflar as comunicações sobre os crimes. “Luan Dantas e Thiago Araújo utilizam aparelhos telefônicos específicos, os quais são mantidos escondidos com terceiros, a fim de se comunicarem entre si e com membros das facções sobre os crimes praticados”, mostra decisão da Comarca de 3º Núcleo Custódia/Garantias-Quixadá sobre o cumprimento dos mandados.
À reportagem, a defesa do prefeito, representada pelo advogado Pedro Neto, nega que o cliente fora detido por envolvimento com crime organizado, mas afirma que foi, na verdade, por delito de incêndio criminoso. A defesa detalha que não teve acesso à íntegra do procedimento.
“Os fundamentos da prisão são fruto de denúncias, sem lastro probatório algum, formuladas por opositores políticos. Sua inocência não será maculada por essa perseguição política”, argumenta o advogado.
O uso da força de facções para fins políticos é investigado em ao menos outros dois municípios no Ceará. Há suspeitas de que o resultado das eleições em Canindé e em Santa Quitéria tenha sido diretamente influenciado pela atuação de grupos criminosos. Entenda a seguir.
Santa Quitéria
A suposta participação do Comando Vermelho (CV) nas eleições de Santa Quitéria, da qual o então prefeito, Braguinha (PSB), saiu novamente vitorioso, resultou no afastamento do gestor e quase três meses de prisão. Inicialmente, a preventiva foi convertida em prisão domiciliar. Contudo, em 19 de março, o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) o liberou do recolhimento.
A defesa do político apresentou relatório médico nos autos indicando ser necessário tratamento. O desembargador eleitoral Luciano Maia, então, entendeu que havia incompatibilidade “de plena efetivação no domicílio do paciente, de modo a resguardar a sua saúde e evitar o indesejável agravamento das doenças”.
Nessa terça-feira (18), Braguinha virou réu após o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE) aceitar a denúncia do Ministério Público, que o acusa de ser apoiado pela facção no pleito do ano passado. Além dele, outras sete pessoas também vão responder à ação penal instaurada.
A Justiça Eleitoral decidiu, ainda, ratificar a decisão da presidência do TRE que determinou o afastamento de Braguinha e do vice-prefeito de Santa Quitéria, Gardel Padeiro (PP). Com isso, ele segue distante do cargo de prefeito, hoje ocupado pelo seu filho, Joel Barroso (PSB). Por ter sido eleito presidente da Câmara Municipal para o terceiro mandato consecutivo, ele entrou na linha de sucessão da Prefeitura em caso de vacância. Com a atuação da Polícia Federal e da Polícia Civil, o vice também havia sido impedido de tomar posse em 1º de janeiro.
Àquela altura, o Ministério Público Eleitoral (MPE) já havia pedido a cassação de Braguinha, de uma candidata a vereadora da cidade e dois servidores da Prefeitura. O órgão levou à Justiça Eleitoral supostas ameaças sofridas pelos adversários do prefeito, inclusive com proibição a eventos de campanha por criminosos.
A denúncia também citava suposto envio de carro ao Rio de Janeiro e entrega do veículo a pessoas ligadas ao Comando Vermelho. Segundo o MPE, as ameaças eram públicas, com muros pichados com mensagens contra o então candidato Tomás Figueiredo e apoiadores. Frases como “Fora Tomas” e “Quem apoiar o Tomas vai entrar na bala”, entre outros, foram registradas nas paredes da cidade.
Além disso, pessoas que demonstravam apoio ao candidato também relataram receber mensagens e ligações com ameaças, segundo a ação.
Também foi registrado, em setembro, ameaças a servidores do cartório eleitoral. “O Cartório Eleitoral recebeu ligação de um integrante do Comando Vermelho, que se dirigiu a um dos servidores ameaçando atacar a unidade do órgão e matar todos, caso a Justiça não ‘parasse’ com as decisões contra os ‘manos’ do CV”, detalha a ação do MPE.
A Polícia Federal instaurou investigação para apurar a atuação da facção na campanha de Santa Quitéria e identificou um dos autores das ameaças: Daniel Claudino de Sousa, vulgo ‘DA30’.
“(Ele) é integrante do Comando Vermelho, reside no Rio de Janeiro-RJ, mas veio para Santa Quitéria/CE, a mando das lideranças do Comando Vermelho, para praticar as coações eleitorais e diversos outros crimes comuns em Santa Quitéria e municípios vizinhos”, relata o texto. A ação descreve ainda crimes cometidos por ele em Varjota, município vizinho a Santa Quitéria.
A defesa do prefeito afastado garantiu que o cliente “não teve ciência, benefício ou qualquer participação em atos ligados a facções criminosas durante sua campanha para as eleições de Santa Quitéria”.
“Com fé em Deus e na Justiça, ele utilizará a liberdade que lhe foi conferida para provar, dentro dos meios legais, a sua inocência”, finalizou o comunicado.
Canindé
Em Canindé, também chegaram ao MPE queixas sobre ameaças e coação de eleitores com a participação de uma facção criminosa, a Guardiões do Estado (GDE). O beneficiário dessas práticas seria o atual prefeito Jardel Sousa (PSB), conforme os relatos.
As investigações identificaram a remetente: uma mulher que chefiava o comitê eleitoral do então candidato, que é uma traficante de drogas que atua na região.
“Além disso, também foi amplamente divulgado dentro do distrito fotos com o número do referido candidato e a frase ‘sou GDE 7.4.5 e voto 40’, em alusão à facção criminosa GDE”, mostra um documento anexado ao inquérito que está em curso no Supremo Tribunal Federal (STF).
No mesmo documento, a PM informa que a mulher é ligada a Bebeto do Choró, de quem, inclusive, ganhou um carro por convencer parentes da família a votar no Professor Jardel.
Além disso, é investigada a prática de compra de votos no município pela eleição do candidato do PSB com dinheiro de emendas parlamentares, em suposto esquema que envolveria também o prefeito eleito de Choró, Bebeto Queiroz (PSB), atualmente foragido, e o deputado federal Junior Mano (PSB).
O MPE também pediu a cassação de Jardel e do vice-prefeito, Ilomar Vasconcelos (PSB), pelo suposto esquema de compra de votos. O PontoPoder buscou a Prefeitura para pronunciamentos sobre a investigação em curso. Quando houver resposta, a matéria será atualizada.
Já a defesa de Júnior Mano já havia afirmado que a inocência do político será provada ao longo do processo. Em nota, também se colocou “à disposição das autoridades policiais e judiciais para o completo esclarecimento dos fatos”.
O deputado ainda ressaltou que a execução das emendas é de responsabilidade dos gestores locais e que não tem “qualquer participação em processos licitatórios, ordenação de despesas ou fiscalização de contratos administrativos”.
“A atuação se dá exclusivamente na esfera legislativa, sem qualquer envolvimento nas administrações municipais. Nas eleições de 2024, o deputado apenas manifestou apoio a alguns candidatos”, disse a nota.
(Diário do Nordeste)